Hoje vou de Recife #6 - Cinema São Luiz e os seus protagonistas cotidianos
- Douglas Fernandes e Marília Ferreira
- 14 de fev. de 2015
- 5 min de leitura

Localizado às margens do rio Capibaribe, numa das esquinas mais charmosas e emblemáticas do bairro da Boa Vista, desde a sua inauguração no dia 6 de setembro de 1952, o Cinema São Luiz é um dos espaços mais representativos da vida cultural da capital pernambucana. A sua arquitetura suntuosa, as portas de vidro, as paredes de mármore do salão, o mural de Lula Cardoso Ayres, o teto em auto-relevo e as poltronas vermelhas, proporcionam um misto de nostalgia e deslumbramento aos frequentadores de um dos últimos cinemas de rua que continuam em atividade.
Em um dia cotidiano de trânsito, comércio e passos apressados no centro do Recife, fomos conferir a experiência daqueles que fazem parte e vivenciam toda a mágica do “templo do cinema”, uma verdadeira simbiose entre a história do São Luiz e os seus protagonistas, ou seja, o público e os seus funcionários.
Entre o público espectador, conhecemos a Professora de Educação Física Sílvia Silva, frequentadora assídua do cinema, que elogia o preço atrativo e a qualidade dos filmes exibidos. Esperando o início da sessão do filme argentino “Relatos Selvagens” de Damián Szifron, ela conta qual foi a sessão mais marcante durante o tempo que frequenta o São Luíz:

“Meu Malvado Favorito, porque eu vim com uma tia-avó de 83 anos de idade, que há 53 anos não vinha assistir um filme no cinema. Eu fiquei emocionada por causa dela, ao ver o deslumbramento dela ao estar aqui!”, conta ela.
Ao entrarmos na sala de cinema, quem nos recebe é Rock Stanley, porteiro do São Luiz há 5 anos. Rock exalta o bom ambiente de trabalho e o entrosamento entre a equipe de funcionários, o que proporciona satisfação e um maior zelo pelo cinema, contribuindo no modo como o público é recepcionado.

“Eu acho incrível quando saem daqui com um sorriso no rosto. É muito prazeroso ver as pessoas felizes, quando vêm pra cá e relembram os bons momentos que tiveram aqui. Os shoppings são ligados às lojas, uma sala de exibição num espaço comercial, já aqui é um cinema de verdade, um “museu vivo”, é um pedaço da história do Recife. Então, a gente tenta passar isso para as pessoas, ressaltar que isso aqui tem que ser preservado, pois, faz parte da nossa cultura, é o último que resta no Recife, é uma pena, mas os outros foram destruídos...”, explica.
O ambiente nostálgico faz com que os seus funcionários construam vínculos com o local, e ao ser questionado sobre o momento mais emocionante que teve no São Luiz, Rock Stanley é enfático:
“Ver a máquina de projeção. Foi uma emoção grande em poder conhecer aquilo tudo, lágrimas escorreram dos meus olhos ao poder ter essa experiência.”, recorda.
E em relação à acessibilidade no "São Luiz", Rock Stanley nos fala:
"Então, o piso lá da frente tem uma certa angulação, tem umas cadeiras próximas às entradas dos corredores com um 'braço' que levanta para facilitar um cadeirante se sentar. E também tem umas cadeiras que não possuem divisória no meio, que a gente apelidou de cadeiras dos namorados para não criar um preconceito com as pessoas obesas, e existe um banheiro para deficientes".
Enquanto o público lota a sala de cinema, apenas uma pessoa comanda o “coração do cinema” que é a cabine de projeção. Miguel Tavares, o Projecionista do São Luiz, é dono de uma extensa “carreira cinematográfica”, pois, já são 22 anos trabalhando em cinemas do Recife. Ele começou a trabalhar no extinto Cinema Moderno como servente, incentivado pelo pai, que na época trabalhava como encarregado de limpeza no também já fechado Cinema Veneza. Segundo Miguel, as pessoas só lembram do Projecionista quando ocorre algum problema.

“A única vez que lembram do projecionista é quando dá alguma bronca (risos). Por exemplo, uma vez partiu uma fita, aí eu tive que passar uma hora e meia com a mão no projetor, para não parar a sessão, que por sinal era a estreia do filme!”, relembra ele.
Essa questão do cuidado com o material de projeção, faz lembrarmos das discussões sobre a necessidade do São Luís ser equipado com um projetor digital.
“Como a tecnologia está cada vez mais avançando, o pessoal prefere mais o digital, mas, se vir o digital pra cá, vão ficar os dois projetores. Mas a história nunca deve acabar...”, afirma.
Durante o período em que trabalha no São Luiz, Miguel relembra uma história engraçada que aconteceu no cinema.
“O filme Titanic estava sendo exibido, e nesse dia estava chovendo muito, aí tinha uma goteira lá bem na frente da tela. O filme rolando e a água descendo, então, eu e mais três serventes ficamos retirando a água enquanto o filme passava. Aí combinava com o Titanic, muita água, praticamente um efeito 3D! (risos)”, conta ele.
Ao conversarmos com Gustavo Coimbra, gestor do cinema, captamos a relação afetiva que cada um dos funcionários mantém com o local. Afinal, todos que ali trabalham tem uma história pessoal com o lugar. E Gustavo nos conta suas recordações desse ambiente que o remonta à infância.

"Eu vinha com minha mãe e a gente ficava sentado esperando apagar as luzes e o vitral acender. E hoje, eu tenho o privilégio de fazer isso, de ver as crianças e as suas mães que falam: 'Presta atenção que vai acender aquele jarro' e era o que minha mãe fazia. É uma coisa magica para todo mundo que trabalha aqui, porque todos frequentaram o cinema quando crianças", comenta.
Sobre os problemas de infraestrutura enfrentados no cinema, Gustavo nos fala:
"Foi reaberto nas mãos do governo e ele sofreu uma grande restauração, só que por ser uma estrutura antiga a gente tem problema de vez em quando com a instalação hidráulica, que não foi mudada. Às vezes ocorre um vazamento em um apartamento no 6o andar e sobra para nós aqui embaixo. Nas chuvas fortes, o nosso telhado, que é muito grande, uma megaestrutura, então, aparece um problema de infiltração. Sempre temos problemas desse tipo".

Quanto à segurança no centro do Recife, que por anos foi considerado abandonado, o gestor do São Luiz nos relata:
"De dois anos para cá está melhorando muito no centro da cidade, com mais policiamento, monitoramento com essas câmeras, iluminação, mas teve um tempo, há quatro anos atrás, que o centro estava meio esquecido. E isso fez o público da época, frequentadores do cinema, se acostumarem com os shoppings e não quererem vir mais para o São Luiz".
Era dia da reabertura do cinema após o recesso de final de ano (22/01), e não poderíamos fazer esse passeio sem assistir a um filme no “templo do cinema”. Na grade de programação, o destaque era a estreia em circuito comercial do filme pernambucano “Amor, Plástico e Barulho” de Renata Pinheiro, e na saída fomos surpreendidos com a presença de três atores do filme pernambucano, incluindo uma das suas protagonistas (Samuel Vieira, Ana Cláudia e Nash Laila). E assim, concluímos nossa viagem pela história do São Luiz e de seus "protagonistas" da vida real com várias recordações fotográficas desse dia. Mas, lembraremos muito mais do que isso, principalmente da recepção calorosa recebida naquela ambiente mágico.

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